sábado, 24 de outubro de 2015

UMA HISTORIA DA VIDA REAL





Comecei a trabalhar com um" bando" de quarto ano no dia 1 de agosto, digo bando por que para ser turma é necessário, ao meu ver, estar constituído assim, se ver assim e ter coordenação o que não era o caso.

 Me deparei com 26 cri"ONÇAS" que tiveram uma professora, que no conselho de classe do primeiro trimestre não conseguiu elencar sequer um aspecto positivo de nenhum dos  alunos, e que sob o olhar sensível da orientadora da escola ( que comprou uma baita briga com a direção e smed ( pasmem...acharam normal isto ) foi afastada e substituída por mim: uma professora voltando de uma licença saúde longa, após o tratamento de  um câncer.

Pois bem, assumi a bronca e  transformar o bando em turma tem sido uma tarefa durissíma, mas tem dado bons frutos: a sala está bacana, alunos frequentes, felizes, aprendendo, ensinando, trocando. Eles já  são uma turma  e são bastante agitados mas  eu também, então estamos "a mil", obviamente,  nem tudo são flores, porém os progressos são enormes e visíveis.

Mas,  o que quero contar aqui  e o que me faz estar vibrante  a ponto de  escrever este texto para  dividir com vocês é o processo de dois  alunos :o  LEONARDO e o ANDRESSON.


Leonardo tem, aproximadamente, 12 anos, digo aproximadamente, por que  Leonardo foi encontrado com mais ou menos dois anos em uma praça, abandonado, comendo lixo e areia. Ele havia sofrido abuso e maus tratos. Não se sabe a história dele antes disso. Depois de encontrado ele foi levado para um abrigo, onde sofreu abuso novamente. Trocou de abrigo. Foi adotado e devolvido duas vezes ( em uma colocou fogo na cortina da casa, na outra tentou zoofilia com o cão da família). Este menino  já esteve em algumas casa-lar é 
 detestado por onde passa, aliás,  ele sabe como se fazer odiar.  Abusou de um bebê, e agora esta em uma última tentativa em uma nova  casa lar perto da nossa escola,até o final do ano,  antes de ser mandado novamente para um outro e definitivo abrigo. Seu maior sonho é ser adotado. Ele  planeja como será sua vida o dia que isto acontecer, porém sabemos da realidade brasileira e da chance mínima de isso ocorrer com um menino da suafaixa etária  e com sua história de vida.

 Obviamente, seu histórico escolar   não é mais bonito ou laureado que sua vida pessoal.
Leonardo frequenta  a escola desde os 7 anos sem saber ler ou escrever, tem diagnóstico de TDAH e retardo mental. Na aula fica .incomodando,batendo nos outros, falando palavrões, tenta tirar vantagem  o tempo todo, se masturba , dentre outras coisas desagradáveis que faz questão de mostrar que pode fazer, procura sempre mostrar seu pior lado, a coisa q ele mais gosta é  chamar os colegas de "FILHO DA PUTA" e também é a coisa que mais o  ofende ; logo a ele que   não é filho de ninguém e que talvez, nunca tenha a experiência de ser chamado de filho de alguém, ou de ser amado por alguém.

Minha sorte ao chegar na sala de aula foi a existência do  Andresson, um garoto fascinante, esperto, divertido, engraçado, apaixonante  com paralisia cerebral leve, retardo mental , síndrome de ossos de vidro, dificuldade de mobilidade e fala ,  que usa fraldas e é extremamente protegido pela família .  Esse aluno, assim como o Léo, também estava na escola com o fardo de ser analfabeto e  ficava "de lado" na turma. Estava na escola com a única  perspectiva de ser socializado. O  Andresson,  quando fomos apresentados,  tinha medo de entrar na sala,faltava muito as aulas, detestava ir a escola,  sentava-se  perto da porta com uma fresta sempre aberta,  para olhar para fora e poder espiar a mãe ou a irmã que ficavam a manhã inteira por ali pois se fossem embora ele entrava em pânico, chorava, esperneava e não conseguiam contê-lo .


Como pra mim, aluno não vai para  a aula  só para socializar e sim para aprender e incluir não é empilhar aluno é tratar como um igual respeitando a diferença, o Leonardo e o Andresson tiveram que se integrar a turma e virar alunos no conceito da palavra ( aquele que aprende)..

Com jogos, livros e o auxílio dos cadernos de atividades do GEEMPA ( Todos Juntos Somos Fortes, Choco Procura uma Mamae ),  seduzi os dois   e trouxe o Andresson pra junto do Leo ( fazendo-o atravessar a sala de aula) , o tirando da porta. Os dois tiveram que trabalhar juntos, jogar juntos, resolver atividades, problemas, provocações  e, como eu planejava, nasceu uma cumplicidade enorme entre eles:  muito por que descobriram um núcleo comum de conhecimentos que na verdade era uma  uma ignorância mútua , o analfabetismo, e também  do desejo e da possibilidade que viram de poder aprender e terem alguém que olhou para eles e disse: VAMOS LÁ,  VOCÊS PODEM, EU NÃO TENHO PENA DE VOCÊS.


 O Leonardo que  nunca tinha sido admirado virou ídolo do Andresson por que podia  correr, ele virou as pernas do Andresson, no recreio o Leo joga futebol e o Andresson assiste, grita, dá as instruções e vibra pelo Leonardo.

O  Andresson, virou a consciência  do Leonardo, pois quando o Léo  está agitado, ou muito "chato", o Andresson  chama a sua atenção e consegue o que ninguém antes conseguiu, acalmá-lo, fazê-lo voltar ao foco da aula. Resultado: hoje o Andresson anda no pátio de mãos dadas com o Leonardo e ambos lêem e escrevem.

O Leonardo está muito melhor em aula, em casa, as mudanças são visiveis.
A  psicóloga e a Assistente Social da Casa-Lar onde ele mora pediram uma reunião na escola para me conhecer e  vieram simplesmente  agradecer  por eu ter olhado para esse menino " como gente" por que foi a primeira vez q ele foi olhado assim.

O Andresson estava fazendo uma investigação na APAE pois desconfiavam que ele era Autista o que foi sumariamente descartado depois dessa interação com o Leonardo que deu confiança para que ele  melhorasse sua relação com todas as pessoas. Hoje ele conversa, abraça, beija, sorri e as vezes eu tenho que pedir para ele maneirar o papo e a "bagunça" na aula. 

Acho que além de alfabetizar dois caras bacanas que estavam na escola há bastante tempo desacreditados por colegas, por professores e por eles mesmos  em menos de três meses, posibilitei uma bela amizade e me sinto bem como profissional e como ser humano.

Sei q só fiz o meu trabalho e que não posso mudar  a vida deles, que muitas coisas  vão continuar uma droga . ..ah..mas vai ser uma droga de Mundo onde eles saberão ler e escrever.
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Este é o papel da escola. Ensinar a todos. Este é o papel do professor olhar seus alunos e acreditar que ensinar é tarefa da ordem do impossivel, como já disse, Freud e só com muito desejo e acreditando que TODOS PODEM APRENDER consiguiremos entender que "impossíveis demandam invenções"


Tô feliz!













































*Fotos tiradas na festa de Halowenn da Escola*

3 comentários:

  1. Oi Rita!
    Sou a Vanessa, tutora do seminário. Teu blog está muito bom!!!!
    Que tu continue registrando neste espaço um pouco das tuas aprendizagens, relatos de sala de aula, dúvidas e reflexões.
    Mantenha ele sempre atualizado, pois servirá como um diário durante todo o Curso.

    Abraços,
    Vanessa

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  2. Estou emocionado aqui. Sem palavras. Tenho orgulho de ter conhecer. Tenho orgulho de saber o que tu faz por essas crianças. Me apresenta elas, se possível. Querio abraça-las junto de ti !! Vinicius Soares

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    1. Puxa Vini... Obrigada pela visita! É só aparecer em Viamão que te apresento os guris..fui "promovida" junto com eles...sigo professora destes dois caras legais! ;)

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