Comecei a trabalhar com um" bando" de quarto ano no dia 1 de agosto, digo bando por que para ser turma é necessário, ao meu ver, estar constituído assim, se ver assim e ter coordenação o que não era o caso.
Me deparei com 26 cri"ONÇAS" que tiveram uma professora, que no conselho de classe do primeiro trimestre não conseguiu elencar sequer um aspecto positivo de nenhum dos alunos, e que sob o olhar sensível da orientadora da escola ( que comprou uma baita briga com a direção e smed ( pasmem...acharam normal isto ) foi afastada e substituída por mim: uma professora voltando de uma licença saúde longa, após o tratamento de um câncer.
Pois bem, assumi a bronca e transformar o bando em turma tem sido uma tarefa durissíma, mas tem dado bons frutos: a sala está bacana, alunos frequentes, felizes, aprendendo, ensinando, trocando. Eles já são uma turma e são bastante agitados mas eu também, então estamos "a mil", obviamente, nem tudo são flores, porém os progressos são enormes e visíveis.
Mas, o que quero contar aqui e o que me faz estar vibrante a ponto de escrever este texto para dividir com vocês é o processo de dois alunos :o LEONARDO e o ANDRESSON.
Leonardo tem, aproximadamente, 12 anos, digo aproximadamente, por que Leonardo foi encontrado com mais ou menos dois anos em uma praça, abandonado, comendo lixo e areia. Ele havia sofrido abuso e maus tratos. Não se sabe a história dele antes disso. Depois de encontrado ele foi levado para um abrigo, onde sofreu abuso novamente. Trocou de abrigo. Foi adotado e devolvido duas vezes ( em uma colocou fogo na cortina da casa, na outra tentou zoofilia com o cão da família). Este menino já esteve em algumas casa-lar é detestado por onde passa, aliás, ele sabe como se fazer odiar. Abusou de um bebê, e agora esta em uma última tentativa em uma nova casa lar perto da nossa escola,até o final do ano, antes de ser mandado novamente para um outro e definitivo abrigo. Seu maior sonho é ser adotado. Ele planeja como será sua vida o dia que isto acontecer, porém sabemos da realidade brasileira e da chance mínima de isso ocorrer com um menino da suafaixa etária e com sua história de vida.
Obviamente, seu histórico escolar não é mais bonito ou laureado que sua vida pessoal.
Leonardo frequenta a escola desde os 7 anos sem saber ler ou escrever, tem diagnóstico de TDAH e retardo mental. Na aula fica .incomodando,batendo nos outros, falando palavrões, tenta tirar vantagem o tempo todo, se masturba , dentre outras coisas desagradáveis que faz questão de mostrar que pode fazer, procura sempre mostrar seu pior lado, a coisa q ele mais gosta é chamar os colegas de "FILHO DA PUTA" e também é a coisa que mais o ofende ; logo a ele que não é filho de ninguém e que talvez, nunca tenha a experiência de ser chamado de filho de alguém, ou de ser amado por alguém.
Minha sorte ao chegar na sala de aula foi a existência do Andresson, um garoto fascinante, esperto, divertido, engraçado, apaixonante com paralisia cerebral leve, retardo mental , síndrome de ossos de vidro, dificuldade de mobilidade e fala , que usa fraldas e é extremamente protegido pela família . Esse aluno, assim como o Léo, também estava na escola com o fardo de ser analfabeto e ficava "de lado" na turma. Estava na escola com a única perspectiva de ser socializado. O Andresson, quando fomos apresentados, tinha medo de entrar na sala,faltava muito as aulas, detestava ir a escola, sentava-se perto da porta com uma fresta sempre aberta, para olhar para fora e poder espiar a mãe ou a irmã que ficavam a manhã inteira por ali pois se fossem embora ele entrava em pânico, chorava, esperneava e não conseguiam contê-lo .
Como pra mim, aluno não vai para a aula só para socializar e sim para aprender e incluir não é empilhar aluno é tratar como um igual respeitando a diferença, o Leonardo e o Andresson tiveram que se integrar a turma e virar alunos no conceito da palavra ( aquele que aprende)..
Com jogos, livros e o auxílio dos cadernos de atividades do GEEMPA ( Todos Juntos Somos Fortes, Choco Procura uma Mamae ), seduzi os dois e trouxe o Andresson pra junto do Leo ( fazendo-o atravessar a sala de aula) , o tirando da porta. Os dois tiveram que trabalhar juntos, jogar juntos, resolver atividades, problemas, provocações e, como eu planejava, nasceu uma cumplicidade enorme entre eles: muito por que descobriram um núcleo comum de conhecimentos que na verdade era uma uma ignorância mútua , o analfabetismo, e também do desejo e da possibilidade que viram de poder aprender e terem alguém que olhou para eles e disse: VAMOS LÁ, VOCÊS PODEM, EU NÃO TENHO PENA DE VOCÊS.
O Leonardo que nunca tinha sido admirado virou ídolo do Andresson por que podia correr, ele virou as pernas do Andresson, no recreio o Leo joga futebol e o Andresson assiste, grita, dá as instruções e vibra pelo Leonardo.
O Andresson, virou a consciência do Leonardo, pois quando o Léo está agitado, ou muito "chato", o Andresson chama a sua atenção e consegue o que ninguém antes conseguiu, acalmá-lo, fazê-lo voltar ao foco da aula. Resultado: hoje o Andresson anda no pátio de mãos dadas com o Leonardo e ambos lêem e escrevem.
O Leonardo está muito melhor em aula, em casa, as mudanças são visiveis.
A psicóloga e a Assistente Social da Casa-Lar onde ele mora pediram uma reunião na escola para me conhecer e vieram simplesmente agradecer por eu ter olhado para esse menino " como gente" por que foi a primeira vez q ele foi olhado assim.
O Andresson estava fazendo uma investigação na APAE pois desconfiavam que ele era Autista o que foi sumariamente descartado depois dessa interação com o Leonardo que deu confiança para que ele melhorasse sua relação com todas as pessoas. Hoje ele conversa, abraça, beija, sorri e as vezes eu tenho que pedir para ele maneirar o papo e a "bagunça" na aula.
Acho que além de alfabetizar dois caras bacanas que estavam na escola há bastante tempo desacreditados por colegas, por professores e por eles mesmos em menos de três meses, posibilitei uma bela amizade e me sinto bem como profissional e como ser humano.
Sei q só fiz o meu trabalho e que não posso mudar a vida deles, que muitas coisas vão continuar uma droga . ..ah..mas vai ser uma droga de Mundo onde eles saberão ler e escrever.
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Este é o papel da escola. Ensinar a todos. Este é o papel do professor olhar seus alunos e acreditar que ensinar é tarefa da ordem do impossivel, como já disse, Freud e só com muito desejo e acreditando que TODOS PODEM APRENDER consiguiremos entender que "impossíveis demandam invenções"
Tô feliz!

*Fotos tiradas na festa de Halowenn da Escola*




Oi Rita!
ResponderExcluirSou a Vanessa, tutora do seminário. Teu blog está muito bom!!!!
Que tu continue registrando neste espaço um pouco das tuas aprendizagens, relatos de sala de aula, dúvidas e reflexões.
Mantenha ele sempre atualizado, pois servirá como um diário durante todo o Curso.
Abraços,
Vanessa
Estou emocionado aqui. Sem palavras. Tenho orgulho de ter conhecer. Tenho orgulho de saber o que tu faz por essas crianças. Me apresenta elas, se possível. Querio abraça-las junto de ti !! Vinicius Soares
ResponderExcluirPuxa Vini... Obrigada pela visita! É só aparecer em Viamão que te apresento os guris..fui "promovida" junto com eles...sigo professora destes dois caras legais! ;)
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