O Princípio
Sempre me pareceu que o mundo conspirava a meu favor, hoje tenho a
convicção que sim. Estava em casa quando recebi uma ligação da escola, uma
colega minha paralela do 1º ano, única turma que lecionara até então, me
convidando para participar de um curso que fora designado para as professoras
do Laboratório de Aprendizagem e que por algum motivo não haviam aceito
convite. A conversa fora mais ou menos assim:
(colega) - A direção me ligou agora
há pouco perguntando se aceitamos participar de um curso do GEEMPA para
trabalhar com crianças não alfabetizadas, mas ninguém sabe ao certo onde, como
e para quê e precisamos dar a resposta agora.
(eu) - Sempre tive curiosidade de
conhecer o GEEMPA, ouço falar mal e ouço falar bem, gostaria de ter a minha
opinião. O que tu achas?
(colega) - Eu quero fazer.
(eu) - Então vamos!
(colega) - Tudo é conhecimento e
crescimento e depois se não gostarmos não precisamos seguir.
(eu) - Tudo bem!
Semana de Páscoa de 2006, nossas turmas foram atendidas por outras
professoras e nós estávamos às sete horas da manhã na SMED do município de
Viamão junto a um grupo de mais ou menos quarenta outras professoras e duas
assessoras as quais não conhecíamos.
Posso ainda sentir as dramáticas que nos permeavam: a ansiedade, o nervosismo,
as expectativas, os pensamentos que rodopiavam como uma dança em torno de
imagens criadas por todos estes sentimentos que se misturavam em doses menores
e por momentos em doses maiores conforme íamos nos aproximando do local de
nossa primeira formação como professoras Geempianas. As dúvidas permaneciam,
mas a curiosidade nos movia ao encontro do novo saber. Continuávamos rumo ao
City Hotel no centro de Porto Alegre.
Ao chegarmos ao local fomos recepcionadas por um grupo de mulheres (até
então não sabíamos quem eram) que escreviam nosso nome em crachás e
identificavam o município ao qual pertencíamos. Logo nos guiaram até um salão
de eventos e ao sentarmos nos entregaram um questionário com perguntas que
pensava eu até aquele momento ter respostas para cada uma delas. Ao olhar para
frente percebi a presença dela, aquela que simbolizava o novo para mim: Esther
Grossi. Agora sim posso dizer que tudo começou: os sentimentos até então já
haviam sido desfrutados por mim em outras ocasiões, mas quando comecei a
responder aquele questionário e as falas do encontro iniciaram seu trabalho
dentro do meu ser, a dor fez com que a ansiedade, a curiosidade, o nervosismo
sucumbissem. Que dor! Senti-me chicoteada, iniciei um processo de negação do
novo, resolvi comer, cochilar, ir ao banheiro, a sede tomou conta de mim, o
tempo que tanto pedia que fosse mais generoso e vagaroso agora parecia ter me
atendido em dobro por todas as preces que fiz.
Naquele momento este fora um dia que eu queria deletar e voltar correndo
para a minha sala de aula, o mundo ao qual eu tinha o controle e sabia, previa
tudo. Pobre de mim!!!
Ao findar a noite minha cabeça parecia carregar as chagas do mundo,
culpa, medo, dor, ignorância, vulnerabilidade. Voltaria eu para aquilo que
denominei de "o tronco" para continuar sendo açoitada ou desistiria e
diria à maldita sorte dane-se o desconhecido.
Recordei-me de meu pai e minha mãe que sempre me disseram com suas
atitudes que paciência e perseverança são virtudes e que um compromisso assumido
deve sempre ser cumprido, lembrei-me ainda de ditados populares como:
"depois do temporal, vem a bonança" e decidi eu dar uma chance a
conspiração do mundo de me provar que estava errada.
Ao decorrer dos dias parecia tudo piorar. Como assim? Para ensinarmos
devíamos nos despreocupar com as dificuldades de aprendizagens, agora a
hiperatividade deveria desaparecer tão rápido quanto surgiu, a doente era eu
que não desejava o suficiente alfabetizar todos para manter-me em um grupo de
profissionais que têm como parâmetro a reprovação de seus alunos para medirem o
grau de exigência e excelência de seu trabalho. Meus colegas e todos os estudos
que fiz em anos de magistério é que
estavam na contramão do ensinar.
Mas tudo foi ficando ainda pior, aparece então em meio a todas as
palestras e atividades uma dinâmica de trabalho intitulada "grupos
áulicos" nunca havia se quer ouvido falar nisto. Que horror! Não bastava
para elas (todas as Geempianas) abrir minhas feridas, agora queriam tocar
nelas.
Para tanto, expuseram meu grau de conhecimento dentro de um parâmetro
formalizado por elas (pensava eu até então), fizeram uma votação que eu não
entendera nada e jogaram-me para um exílio em meio a multidão. Eu que sempre
fora solicitada para qualquer atividade, seja ela acadêmica, familiar, social,
que repetidas vezes fui líder de turma, sempre vista como uma pessoa muito
comunicativa; agora não fora escolhida por ninguém. O que acontecia ali, ninguém
me viu? Queriam me sabotar? Tinham medo de mim? Eu representava uma ameaça?
Enquanto estas questões se formavam em minha mente, minha alma ansiava
uma outra resposta, do porquê de tudo aquilo? Não entendia a necessidade a qual
me submeti a passar, minha vida estava em ordem, não havia motivos para me
colocar naquela situação tão dolorida.
Mas se a dor ensina a gemer, o gemido ensina a crescer. Já havia vivido
trinta anos, mas nada fora tão perturbador como os três dias de assessoria.
Após a eleição de grupos o exercício era um alfabeto dos sentimentos, devíamos
escrever sentimentos que nortearam a dinâmica dos grupos áulicos; enquanto o
grupo discutia à procura de um sentimento com a letra "a", corri logo
para o "d" e escrevi "desespero", este foi o único
sentimento que consegui externar.
Ao final destes três dias tudo parecia ter voltado ao normal, retornei
para a minha sala de aula,minha turma, meus alunos, meu controle, porém algo me
perseguia além da minha colega que queria colocar em prática a metodologia com
a sua turma e gostaria que eu fizesse também, havia ainda os gemidos da dor e
quando estes pareciam sumir, deixavam o eco.
Eu já não era mais a mesma, mas nada de concreto havia mudado...
(texto escrito por mim em 2006 depois
de meu primeiro contato com o
Pós-Construtivismo, após o sofrimento incial, segui os estudos e a metodologia
e alfabetizei 100% dos meus alunos em 6
meses. )

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